Parentes de Mateus Silva Cruz, 19, morto dentro de uma delegacia na cidade de Camocim (CE), no último domingo (6), afirmam que o crime não foi resultado de um momento de descontrole do policial, mas pelo que descrevem como “perseguição”.
O tio do jovem, Écio de Sousa, conversou com o UOL e contou que o garoto seria alvo de membros da CPRaio (Comando de Policiamento de Rondas e Ações Intensivas e Ostensivas), uma companhia independente que faz patrulhamentos em 46 cidades cearenses com ajuda de motocicletas.
O motivo, segundo Écio, seria o fato de Mateus, filho do dono de um pet shop na cidade de 63 mil habitantes, ser “descendente de militares que, no passado, tiveram certa atividade política na região e criaram opositores”, conta.
De acordo com a versão da polícia, o crime teria sido motivado por uma discussão entre o jovem e o PM de folga George Tarick, 33, em um estabelecimento comercial no município, uma boate, onde era realizada uma festa. Os dois foram levados à delegacia e Mateus foi alvejado pelo policial antes de prestar esclarecimentos. Tarick foi preso em flagrante na madrugada do domingo.
Segundo familiares, Mateus teria chegado a buscar abrigo para fugir da confusão dentro do estabelecimento no qual a discussão foi registrada, teria saído do local quando pensou que os policiais tinham ido embora, mas teria sido espancado na rua ao sair e, então, levado à delegacia e morto.
Problemas históricos Ainda em 2019, segundo Écio de Sousa, a família teria registrado um boletim de ocorrência narrando uma sessão de tortura que Mateus e o pai, Eglício, teriam sofrido por parte de policiais em uma pousada abandonada da região. Eles registraram uma reclamação contra os policiais na corregedoria da PM no Ceará, o que teria aumentado a perseguição.
“Era só ele botar o pé na calçada que ele era abordado pelo Raio. Era tapa, coronhada de fuzil, ameaças veladas. Uma das ameaças foi feita em dezembro de 2019, quando os componentes do Raio disseram: Mateus, o que é seu está guardado. Pode aguardar'”, afirmou.
Na ocasião, eles também entraram com um pedido de habeas corpus preventivo para garantir o “direito de ir e vir” do jovem na cidade. O pedido foi negado por um juiz, que alegou falta de provas.
De acordo com o Governo do Ceará, o trabalho principal da CPRaio é realizar abordagens em áreas urbanas, tendo como principais atividades a apreensão de armas ilegais e combate ao tráfico. O comando, que foi criado em Fortaleza, tem, desde 2019, bases em todas as cidades com mais de 50 mil habitantes no estado.
Em nota, a Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário (CGD) confirmou a existência das denúncias contra policiais na ouvidoria e disse que o fato ocorrido em 2019 é, ainda hoje, “objeto de procedimento disciplinar para devida apuração na seara administrativa” e que a investigação segue “em trâmite no momento”.
Defesa
Em conversa com o UOL, o advogado de defesa do PM, Marcos Antonio Silva Veras, afirmou que o cliente lamenta a morte de Mateus, mas tem motivos que justificam a legítima defesa.
O advogado citou outros processos que teriam sido respondidos por Mateus por calúnia, ameaça e desacato contra policiais e mostrou à reportagem fotos de uma tatuagem de palhaço na coxa da vítima, o que, na linguagem popular, representaria uma pessoa que é assassina de policiais.
Segundo ele, antes de ser morto, Mateus falou três vezes ao policial que sabia onde ele e a família moravam e os matariam. O rapaz também teria espancado o policial, que, de acordo com exame de corpo de delito do IML, teve ferimentos nos olhos e na boca e correu risco de vida.
“Ele ameaçou Tarick três vezes. Se alguém tem coragem de bater na cara de um policial armado, imagina o que esse homem faz na covardia? Ele [O PM] já tinha deixado de puxar a pistola dentro da boate, ele já tinha deixado de puxar a pistola no estacionamento da boate, e aí ele não aguentou mais”, afirma.
Agora, o plano da defesa é pedir a revogação da prisão preventiva alegando legítima defesa.
Medo para além da família
No inquérito que investiga o crime, obtido pelo UOL, policiais relatam que o amigo de Mateus, Isac, foi encontrado contido na boate junto ao PM de folga, George Tarick, após entrarem em “vias de fato” e outro sargento teria “capturado o outro indivíduo [Mateus] na praça do Coreto”.
No local, George Tarick teria se incomodado porque o rapaz o teria “encarado e desafiado”. “Em um momento de fúria, levado por violenta emoção, o interrogado sacou sua pistola e, inadvertidamente, efetuou diversos disparos contra a vítima”, diz trecho do depoimento do PM.
O amigo de Mateus que foi preso com ele na ocasião, Isac Ferreira, diz que foi ameaçado de morte depois de ver o amigo, algemado, levar diversos tiros.
"Mateus estava algemado; a porta estava aberta. O policial entrou, efetuou vários disparos na cabeça e no peito de Mateus. Eu corri. Quando eu corri ele efetuou um disparo para o meu lado. Me desesperei. O policial fechou a porta e eu comecei a gritar falando que mataram o meu amigo. O policial mandou eu calar a boca dizendo que o próximo que ia morrer era eu.Isac Ferreira, testemunha".
Ainda na delegacia, Isac teria sido espancado e recebido novas ameaças por parte de outro policial, que não foi identificado por ele.
Segundo o jovem, que gravou um vídeo com sua versão do ocorrido, após presenciar a execução do amigo, ele foi abordado nas ruas de Camocim por policiais em motos. Os profissionais teriam perguntado se “ele queria terminar que nem o finado”.
A Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário informou que as investigações sobre as circunstâncias envolvendo a morte de Mateus são feitas pela Delegacia de Assuntos Internos (DAI) e que um processo disciplinar foi instaurado para apurar as circunstâncias do fato.
Além do afastamento de Tarick, que está preso no 5º Batalhão da Polícia Militar, em Fortaleza, a controladoria determinou a “apuração da conduta de policiais civis e militares envolvidos na ocorrência”. Eles continuam, porém, exercendo suas funções na cidade.
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